As relações de poder que hoje sustentam o Maranhão emergem nos meados dos anos 60, lideradas pelo deputado federal José Sarney ao se candidatar em 1965 a governador do Estado. Quando assumiu o governo, José Sarney "jurou" exterminar o nepotismo, o carrancismo, o absolutismo presentes na história política do Maranhão e ainda levar o Estado aos limites do desenvolvimento.
Já governador, arquitetou estratégias e medidas, dentre as quais a criação da Sudema, nos moldes da Sudene, composição de um quadro burocrático engendrado por economistas formados pela Cepal (explicar o que é). No entanto, já se podia perceber o esboço de seu projeto político. Os auxiliares eram, na maior parte, amigos e poetas de sua confraria.
José Sarney construiu uma ponte em São Luís - Ponte José Sarney -, que no imaginário popular sintetiza a divisão que ele dizia ter feito entre o "velho" e o "novo" Maranhão, pois é uma estrutura que separa a cidade antiga daquela que foi se amoldando, segundo opiniões comuns, na "modernidade". Houve de fato uma clivagem com as antigas formas de governar? Como falar em "modernidade" se, em sua saída para se candidatar a senador pelo Maranhão, ele promulgou a Lei nº. 2.979/69, conhecida como "Lei de Terras", que, em contramão ao projeto de colonização da Sudene, pretendia enviar para as chamadas "fronteiras agrícolas" nordestinos sem condição de sobreviver nas suas localidades em face da seca que assolava a região?
Com esse dispositivo, José Sarney instituiu o valor unitário da terra, e grupos empresariais cercaram, por alto, 625.789 hectares, transformando os retirantes em mão de obra explorada e inaugurando os conflitos agrários no campo. Eis a reinvenção do Maranhão Dinástico, relações de sociabilidade política em que as relações de compadrio sobrepujam a razão de Estado, à maneira de Max Weber. Posteriormente, exceção feita ao governador Osvaldo Nunes Freire, todos os mandatários do Maranhão tornaram-se "filhos políticos" de José Sarney, dando continuidade à dinastia.
Nesse ínterim, fabricava-se uma figura pública e política, filha não só política, mas social e biológica, de José Sarney - Roseana Sarney Murad -, uma ficção (de ficcio, invenção) que começa sua inserção no campo político em 1990 ao se candidatar a deputado federal pelo Maranhão. A acumulação primitiva do capital político foi arregimentada do seu título de graduação em ciências sociais. Não à toa, durante toda a campanha, a ela se referiam como "a socióloga Roseana Sarney".
Em 1994, ela se candidatou ao governo do Estado do Maranhão concorrendo com Epitácio Cafeteira, seu adversário mais próximo, e com o próprio Jackson Lago. No primeiro turno, Roseana Sarney Murad (PFL) obteve 541.005 votos contra 353.002 de Epitácio Cafeteira (PPR), deflagrando um segundo turno. Esse foi o primeiro embaraço que abalou o projeto político do Maranhão Dinástico.
No segundo turno, detentora de um potente sistema de comunicação, disparou um embate político com o adversário por meio de charges e criação de escândalos políticos. Eleita, transformou seu governo num palanque eleitoral para a reeleição em 1998, momento em que sua performance de candidata de saúde frágil é vista como a de "uma guerreira", conforme os próprios acordes da cantora Alcione Nazaré. Pouca campanha fez nessa época, mas antes já havia redefinido as fronteiras turísticas do Maranhão - vide as praias na novela O Clone - e se transformado no arauto dos eventos locais. Participava, com sua performance bacântica, dos carnavais e do bumba-meu-boi e se autodefinia "apaixonada pela cultura popular".
Em 2001, o PFL sinalizou seu nome para as eleições presidenciais de 2002, mas o escândalo Lunnus, envolvendo a governadora e seu marido, depois da captura de milhões no escritório da empresa dele, barrou esse objetivo. Mais um abalo no projeto do Maranhão Dinástico. Da projeção nacional retorna à projeção maranhense e se candidata a senador, sendo eleita pelo PFL.
Candidata ao governo em 2006 pelo PMDB, concorrendo com o adversário mais próximo, Jackson Lago (PDT), e já inimiga do seu aliado e "filho político" de José Sarney, o governador José Reinaldo, ela não conseguiu se eleger no primeiro turno e perdeu para Jackson Lago no segundo. Um embaraço de proporções gigantescas nessa dinâmica, embaraço que estimulou a luta na Justiça pela cassação do governador sob a alegação da "compra de votos" e, por tabela, de ilegitimidade do poder. Após longa batalha judicial, com idas e vindas, porém com a decisão jurídica de instâncias superiores, delineou-se uma reatualização do Maranhão Dinástico. Roseana Sarney Murad assumiu na semana passada o governo. A Dama de Espadas deu uma cartada: nomeou seu cunhado e ex-inimigo, Ricardo Murad, secretário de Estado de Saúde. Continua a entender que a coisa (res) pública é a casa da rainha.